Em cada esquina de Salvador, a figura icônica das baianas de acarajé se destaca, com seus tabuleiros repletos de delícias e suas vestes tradicionais. Mas além de serem um símbolo turístico e gastronômico, essas mulheres representam uma rica herança cultural e histórica que remonta aos tempos coloniais. O ofício das baianas de acarajé, reconhecido como Patrimônio Imaterial do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), é uma expressão de resistência, identidade e tradição afro-brasileira.
As Raízes do Ofício
A história das baianas de acarajé começa no período colonial, quando as mulheres africanas escravizadas e suas descendentes encontraram na venda de alimentos uma forma de sustento e autonomia. O acarajé, bolinho feito de feijão-fradinho, cebola e sal, frito em azeite de dendê, é de origem africana e chegou ao Brasil com os escravizados. Na África, o acarajé fazia parte das oferendas aos orixás, especialmente a Iansã e Xangô, e essa tradição foi mantida nos terreiros de candomblé no Brasil.
Com a abolição da escravatura, muitas dessas mulheres, agora libertas, continuaram a preparar e vender acarajé nas ruas de Salvador. A venda de acarajé se tornou uma atividade econômica importante, permitindo que essas mulheres sustentassem suas famílias e mantivessem suas tradições culturais vivas. O tabuleiro, carregado na cabeça, se transformou em um símbolo de resistência e empreendedorismo feminino.
A Baiana de Acarajé: Um Símbolo Cultural
A baiana de acarajé é facilmente reconhecida por sua indumentária característica: saia rodada, bata, pano-da-costa, turbante e colares de contas. Esse traje, além de bonito e tradicional, carrega significados religiosos e culturais profundos. As roupas brancas são uma referência ao candomblé, enquanto os colares de contas indicam a devoção a diferentes orixás.
O ofício das baianas de acarajé vai além da simples venda de alimentos. Essas mulheres são guardiãs de um saber ancestral que envolve não apenas a preparação do acarajé, mas também o respeito aos rituais e tradições do candomblé. Antes de iniciar a venda, é comum que as baianas façam oferendas aos orixás, pedindo proteção e sucesso.
O Acarajé na Contemporaneidade
Com o passar dos anos, o acarajé passou por adaptações para atender ao gosto dos consumidores e às exigências sanitárias. Hoje, além do bolinho tradicional, o acarajé é servido com recheios como vatapá, caruru, camarão seco e salada de tomate e cebola. Essa versão “moderna” do acarajé se popularizou e se tornou um dos pratos mais procurados por turistas e moradores locais.
Apesar das mudanças, as baianas de acarajé continuam a preservar a essência do seu ofício. A Associação das Baianas de Acarajé, fundada em 1992, desempenha um papel fundamental na organização e defesa dos direitos dessas trabalhadoras. A associação oferece cursos de capacitação, promove eventos culturais e luta pela valorização e reconhecimento do ofício.
O Reconhecimento como Patrimônio Imaterial
Em 2004, o ofício das baianas de acarajé foi inscrito no Livro de Registro dos Saberes do IPHAN, reconhecendo oficialmente a importância cultural e histórica dessa tradição. Esse registro é um marco na valorização da cultura afro-brasileira e na proteção dos saberes tradicionais.
O reconhecimento como Patrimônio Imaterial não só valoriza o trabalho das baianas, mas também assegura a continuidade dessa tradição. Projetos de salvaguarda e promoção cultural são desenvolvidos para garantir que as futuras gerações possam aprender e manter viva essa prática ancestral.
Desafios e Perspectivas
Apesar do reconhecimento e dos esforços para preservar a tradição, as baianas de acarajé enfrentam desafios diários. A concorrência com estabelecimentos comerciais, a necessidade de cumprir normas sanitárias rigorosas e a luta por espaços adequados para a venda são algumas das dificuldades enfrentadas por essas mulheres.
Ainda assim, a força e a resiliência das baianas de acarajé são inspiradoras. Elas continuam a desempenhar seu papel com orgulho e dedicação, mantendo viva uma tradição que é, ao mesmo tempo, um legado cultural e uma forma de resistência.
Conclusão
O ofício das baianas de acarajé é uma expressão rica e complexa da cultura afro-brasileira. Vai além da gastronomia, englobando aspectos religiosos, históricos e sociais. Essas mulheres, com seus tabuleiros e trajes tradicionais, são verdadeiras guardiãs de um patrimônio imaterial que conecta o Brasil às suas raízes africanas. Ao saborear um acarajé, estamos participando de uma história de resistência, devoção e identidade cultural que merece ser celebrada e preservada.